O Patinho Feio vem a público
A cerimônia de inauguração do computador reuniu autoridades e a equipe do projeto precisou driblar um grande imprevisto
O professor Hélio Guerra fala aos presentes na inauguração do Patinho. O governador Laudo Natel é o do centro da foto.
O Patinho Feio foi inaugurado no dia 24 de julho de 1972, em uma sala no segundo andar do prédio do então curso de Engenharia de Eletricidade da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). A máquina pesava 100 quilos, com 101 centímetros de largura, 84 cm de altura e 48 cm de profundidade.
Sua carcaça verde abrigava 450 pastilhas de circuitos integrados, com cerca de três mil blocos lógicos, distribuídos em 45 placas de circuito impresso e cinco mil pinos interligados. Sem tela, teclado e mouse, o primeiro computador brasileiro funcionava com botões e chaves para processar, armazenar e enviar informações, via cabo, para uma impressora matricial. A própria equipe realizava a programação assembly.
Na cerimônia de inauguração estavam presentes o então governador de São Paulo, Laudo Natel, e o bispo dom Ernesto de Paula, representante da igreja católica, para abençoar a máquina. “Quando a gente soube que viriam tantos convidados tratamos de arrumar a sala como se arrumássemos a casa para uma festa”, conta Sidnei Martini, que integrou o projeto do Patinho Feio e é professor sênior do departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais (PCS-Poli-USP). Na ocasião, as paredes e os vidros foram limpos e também veio um tapete da reitoria para esconder o piso. O tablado, utilizado durante as aulas, saiu de cena. De acordo com outro integrante do projeto, o engenheiro João José Neto, hoje professor do PCS-Poli-USP, de móvel ficaram apenas “uma mesa e umas cadeiras para aqueles que fossem operar a máquina pudessem descansar um pouco”.
A excitação era grande. “Na véspera ninguém dormiu direito”, recorda Martini. “Estávamos muito felizes por aquela conquista, mas ao mesmo tempo muito preocupados por saber que a Lei de Murphy existe: se algo pode dar errado, vai dar”.
Na hora da inauguração a sala com cerca de 70 metros quadrados ficou apinhada. “Era difícil se mexer lá dentro”, relata Wilson Ruggiero, que foi estagiário do projeto e atualmente é professor do PCS-Poli-USP. “Além das autoridades, a imprensa também veio documentar o lançamento. Foram publicadas reportagens a respeito do lançamento do Patinho Feio em vários veículos de comunicação”.
A maioria das pessoas que foram à inauguração do Patinho nunca tinha visto um computador.
De acordo com João José Neto, em busca do melhor ângulo, um fotógrafo tropeçou no fio e desligou a máquina pouco antes de ela ser apresentada ao público. “O Patinho Feio se esqueceu de tudo. Isso porque, na falta de energia elétrica, a memória de núcleo de ferrite perde todo seu conteúdo”, explica.
Segundo Martini, isso gerou um pânico momentâneo entre os integrantes do projeto. A carga do programa de “Bootstrap”, com 32 instruções, era demorada pois era feita pelas chaves do painel. “Esse programa iria ler uma fita de papel para então carregar um minissistema operacional. A solução foi carregar o programa à mão com os convidados já presentes”, relata Ruggiero. “Como ótimo orador que é, o professor Hélio [Antônio Hélio Guerra Vieira, coordenador geral do projeto] conseguiu entreter a plateia com seu discurso, enquanto a equipe do projeto trabalhava na máquina. Foi um sufoco!”.
No plano inicial, um programa de demonstração acionaria todos os periféricos, mas isso não foi possível naquele momento da apresentação. “A gente teve que improvisar. De pronto, para ter o que mostrar ao público presente, conseguimos carregar uma parte ínfima do programa, que reproduziu na impressora do teletipo o desenho de um pato. Foi um autorretrato”, diverte-se João José Neto.
Por fim, deu tudo certo. “Talvez as pessoas presentes nem tenham percebido o estresse que passamos”, comenta Ruggiero. “O resultado foi muito elogiado, inclusive pelo governador Laudo Natel”.
O professor Hélio estava certo de que a empreitada seria bem-sucedida. “O projeto tinha uma equipe de pesquisadores comprometida e competente. Não tinha como dar errado”, finaliza.