Do papel para a prática
O Patinho Feio, primeiro computador brasileiro, é resultado do trabalho final de um curso de pós-graduação na Poli-USP
Sem mouse ou monitor, os controles do Patinho Feio eram feitos por chaves e botões no painel frontal.
Para entender a história do Patinho Feio, lançado em 1972, é preciso recuar mais alguns passos no tempo, precisamente a 1968. Naquele ano, Antônio Hélio Guerra Vieira, então professor do curso de Engenharia de Eletricidade da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), criou ali o Laboratório de Sistemas Digitais (LSD), que seria o berço do primeiro minicomputador brasileiro.
“O professor Hélio sempre foi muito dinâmico e conseguiu trazer para a Poli dois computadores: um IBM 1130 e um HP 2116. Além de sermos usuários dos computadores, também costumávamos abrir as máquinas para ver como elas funcionavam. Isso nos incentivou a querer saber mais sobre o universo digital”, lembra Sidnei Martini, que integrou o projeto do Patinho Feio e hoje é professor sênior do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Poli-USP.
Em meio ao crescente interesse de pesquisadores e estudantes por essa área do conhecimento, a Poli reformou o currículo de Engenharia de Eletricidade em 1970 e o desmembrou em duas especializações: telecomunicações e sistemas digitais.
Como não havia na época um professor especialista em máquinas digitais na USP, o engenheiro norte-americano Glen Langdon Jr., funcionário da IBM, uma das maiores empresas de informática do mundo, foi convidado pelo professor Hélio para ministrar um curso de pós-graduação na universidade paulista.
“Ele já havia morado no Brasil durante a infância e adolescência por causa do trabalho do pai. Falava português fluente e torcia para o Corinthians”, recorda o engenheiro eletricista Edson Fregni, outro integrante do projeto do Patinho Feio.
O Laboratório de Sistemas Digitais foi o ‘ninho’ do Patinho.
Em fevereiro de 1971, Langdon começou a ministrar um curso sobre arquitetura de computadores para cerca de 18 alunos, que incluíam professores, alunos de pós-graduação e graduação. Muitos deles eram oriundos do Laboratório de Sistemas Digitais, a exemplo de Fregni e Martini.
“Como trabalho final, em junho daquele ano, o professor Glen dividiu a turma em grupos e propôs que cada um deles desenvolvesse no papel o projeto de um computador”, relata o professor da Poli-USP Antônio Massola, que era do LSD e também integrou a equipe do Patinho Feio.
Entusiasmado com as propostas apresentadas pelos alunos, o professor norte-americano juntou todas as ideias em um único projeto, que não ficou apenas no papel. Após o trabalho no curso, o computador, que até então não tinha nome, começou a ganhar forma no Laboratório de Sistemas Digitais.
Ali ocorreu a implementação do projeto sob o comando do professor Hélio e orientação técnica de Langdon. Parte significativa dos alunos do curso se envolveu nessa fase e o grupo foi dividido entre as seguintes áreas: memória; unidade de controle de processamento; unidades de entrada e saída, além de unidade aritmética. A iniciativa contou com apoio do então diretor da Poli, Oswaldo Fadigas Fontes Torres, que utilizou recursos do orçamento da própria escola para financiar a inédita empreitada.
Na mesma época, a Marinha do Brasil sinalizou interesse no nascimento da indústria nacional de computadores. Para ajudar na navegação de suas embarcações, a Marinha precisava de ‘cérebros eletrônicos’, que existiam à venda somente no mercado internacional e a um alto custo. Com o Patinho Feio a Poli-USP mostrou que era possível ao Brasil desenvolver seus próprios computadores. Ainda em 1972 começou a ser planejado o que viria a ser o primeiro computador comercial brasileiro, o G10.
Quando comandou a equipe do Patinho Feio, o professor Hélio contava com 42 anos. Era o mais velho do time que, além de engenheiros recém-formados, também reunia diversos estudantes de graduação que estavam no 4º ou 5º ano do curso.
“Era uma moçada e não apenas por causa dos estagiários”, diz Edith Ranzini, professora sênior da Poli-USP que integrou a equipe do Patinho Feio. “Entre os professores mais velhos estava o Antonio Massola, com uns 26 anos. Eu, que era estudante da pós-graduação, tinha 24 anos”, diverte-se.
“Tudo era novidade para nós”, concorda Fregni. “Além disso, era difícil encontrar peças no Brasil da época para fazer o computador. Muita coisa era importada. A gente teve que desenhar tudo”.
Durante a construção dos componentes da máquina foi preciso montar uma oficina para fabricação de circuitos impressos de precisão, por exemplo.
Já a carcaça do computador, uma caixa metálica verde de 105 centímetros de largura, 84 cm de altura e 48 de profundidade, saiu da oficina de Engenharia Mecânica da Poli.
“Era um computador novo, feito a partir do zero, e obviamente não havia nenhum software disponível para ele. Então tudo o que se fazia para rodar tinha que ser feito na unha, na marra”, completa João José Neto, hoje professor da Poli, que na época participou do desenvolvimento do software.
Ao longo da montagem, o projeto como um todo foi sofrendo adaptações. “Em função desse desafio, a gente aprendeu, entre outras coisas, a gerir projeto e fazer planos de longo alcance”, relembra João José Neto.
Com esse aprendizado, a USP foi convidada a integrar o projeto do G10. Para viabilizar sua participação de maneira ágil e eficiente, a USP criou a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), a primeira entidade do gênero instituída pela USP. Depois de liderar o desenvolvimento do G10 a FDTE seguiu sua trajetória de liderar dezenas de projetos que confirmaram a eficiência da engenharia brasileira.