Patinho Feio e o surgimento da indústria nacional de computadores
Projeto ajudou a formar recursos humanos para o setor que ensaiava os primeiros passos no país
A bem-sucedida experiência do Patinho Feio, finalizada em 1972, abriu outras portas para seus criadores e para a USP na seara digital. Para viabilizar sua participação no projeto do computador G10, encomendado pela Marinha do Brasil, em dezembro daquele ano a Universidade criou a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia. A FDTE liderou a gestão do projeto do G10, cujo protótipo ficou pronto em 1974 e serviu de base para o lançamento do primeiro computador comercial projetado e fabricado no país. O pioneirismo coube à Cobra – Computadores do Brasil, empresa nacional fundada em 1974.
O professor Edson Fregni e um terminal serial fabricado pela Scopus
Entre os integrantes da equipe técnica do empreendimento estavam pesquisadores do Patinho Feio e também da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
A criação do G10 a partir do know how adquirido com a construção do Patinho não foi uma experiência isolada. “O Patinho Feio ajudou a formar recursos humanos qualificados para a indústria nacional de computadores que ensaiava os primeiros passos naquela época. O time de pesquisadores era muito competente e pôde experimentar bastante. Aprenderam com a prática, sem abrir mão da teoria”, diz o professor Antônio Hélio Guerra Vieira, que foi o coordenador geral dos projetos Patinho Feio e G-10. “Hoje tudo é computadorizado, inclusive o relógio que uso. O computador virou uma coisa trivial, mas naquela época era uma grande novidade”, prossegue o mestre, hoje com 92 anos de idade.
Lucas Moscato, que integrou a equipe do Patinho Feio e foi o coordenador técnico do G-10, concorda. “O Patinho Feio e depois o G-10 contribuíram para a formação de engenheiros capazes de trabalhar na indústria digital brasileira”, afirma o professor do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicos da Poli-USP. “De todo esse esforço que aconteceu em lugares como, por exemplo, São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro nasceu uma indústria nacional de informática que foi grande, importante, até o final dos anos 1980”.
Moscato lembra que em 1970 a Escola Politécnica reformou o currículo de Engenharia de Eletricidade e o desmembrou em duas especializações: telecomunicações e sistemas digitais. “Os docentes que passaram pelo Patinho Feio e se especializaram em sistemas digitais ajudaram a formar os alunos de graduação já nesse novo contexto. Por sua vez, essa moçada que começou a se graduar por volta de 1975 foi para o mercado e começou a criar suas empresas de informática. Além disso, alguns professores da Poli também criaram seus empreendimentos voltados para o setor”, conta o engenheiro.
Uma dessas iniciativas foi a Scopus Tecnologia, fundada em 1975 pelos engenheiros Edson Fregni e Célio Ikeda, integrantes do Patinho Feio, e Josef Manarsterski, que participou da equipe do G-10. No início, a empresa fabricava terminais de vídeo e, posteriormente, microcomputadores – na década de 1980 chegou a liderar o mercado de máquinas de 16 bits no país. Em 1989 o Bradesco assumiu o controle acionário da Scopus, que contava então com 1.300 funcionários e filiais em 53 cidades do Brasil.
“Nossa meta foi criar uma empresa para fabricar computadores concebidos e projetados no Brasil”, recorda Fregni, responsável pela Unidade de Controle de Processamento (UCP) e pelo relógio central do Patinho Feio. Em 1972 ele defendeu a dissertação de mestrado “Projeto Lógico da Unidade de Controle de um Minicomputador”, com orientação do engenheiro estadunidense Glen Langdon Junior. “Da minha parte, essa ousadia foi ancorada na experiência intensa que vivi no Patinho Feio. Foi no projeto que ganhei confiança, vi que era capaz e também percebi que era possível fazer computadores no Brasil, a despeito de todas as dificuldades”.
De acordo com Fregni, um estudo realizado na época apontou que mais de 90 novas empresas haviam se derivado da Scopus. “Na década de 1980, metade dos formandos da eletrônica da Poli vinha trabalhar com a gente. Esses jovens se inspiravam na nossa experiência e depois abriam as próprias empresas, pois percebiam que era possível trilhar esse caminho. Acho que isso não aconteceria se estivessem trabalhando em uma multinacional de informática”, prossegue Fregni.
Outro segmento de negócio da indústria de informática que contou com a participação de integrantes do Patinho Feio foi o da automação digital bancária, iniciada no final da década de 1970 no país. “Na época cada banco criou uma empresa associada para poder cuidar da própria automação. E muitos engenheiros da Poli, alguns deles que integraram o Patinho Feio, exerceram papeis de destaque nessas empresas. Ao longo do tempo o Brasil se transformou em um país de excelência nesse quesito”, relata Sidnei Martini, que também integrou o projeto do Patinho Feio e atualmente é professor sênior do departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais (PCS-Poli-USP).
Essa capacidade de formar recursos humanos para a indústria digital permanece até hoje, como sublinha Wilson Ruggiero, professor do PCS-Poli-USP. Além de ter sido estagiário do Patinho Feio, ele foi responsável pela área de hardware no G-10 e um dos principais projetistas desse computador. “Muitos colegas daquela época continuam trabalhando como pesquisadores e docentes na Poli-USP, formando novas gerações de especialistas na área. Essa roda, felizmente, nunca para”, finaliza