“O Patinho Feio era uma grande família”
A intensa convivência entre os integrantes do projeto criou laços de amizade que se mantém até hoje
“Está vivo, está vivo!”, celebraram os integrantes do projeto Patinho Feio quando o computador que estavam montando funcionou dentro do Laboratório de Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
Reza a lenda que ao ouvir a comemoração dos pupilos, o professor Antônio Hélio Guerra Vieira, coordenador geral do projeto, ligou para o professor Oswaldo Fadigas Fontes Torres, então diretor da Poli, para comunicar o feito da equipe. Fadigas, por sua vez, telefonou para o reitor da Universidade à época, Miguel Reale, que então repassou a informação a autoridades como o governador de São Paulo, Laudo Natel.
O resultado é que a cerimônia de inauguração do Patinho Feio, com direito a presença de autoridades entre os convidados, foi agendada para cerca de um mês depois dessa troca de mensagens – ou seja, para o dia 24 de julho de 1972. “Faltava algo ainda para o computador ficar pronto”, recorda o engenheiro Edson Fregni, um dos integrantes da equipe. “Para cumprir o prazo, a gente se reorganizou e se dividiu em dois grupos: a turma do software trabalhava durante o dia enquanto a de hardware cumpria o período noturno. Isso porque na hora em que a gente estava testando o hardware, o time que cuidava do software não podia interferir porque senão atrapalharia o processo e vice-versa. Foi uma loucura, mas o computador ficou pronto na data prevista”.
Ao todo, a implementação do Patinho Feio aconteceu por volta de sete meses, segundo Lucas Moscato, hoje professor do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicos da Poli-USP.
“O ritmo era muito acelerado, mas a gente se entendia perfeitamente”, recorda. “Havia muito companheirismo e um forte sentimento de equipe entre os integrantes do grupo. O Brasil na época não tinha indústria digital, apenas importava computadores, sobretudo dos Estados Unidos. O professor Hélio sempre nos falava sobre a importância de o país conseguir se desenvolver nesse setor e isso nos inspirava muito. O ambiente era de grande cooperação porque a gente tinha esse objetivo em comum: contribuir para o crescimento da indústria brasileira”.
Nos momentos de estresse era Antônio Massola, outro integrante do grupo e atual professor sênior do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais (PCS-Poli-USP), que desanuviava o ambiente. “Ele gostava de contar piadas e contagiava a todos com seu bom humor. Além disso, sempre tinha palavras de incentivo e costumava dizer que a vida é maior do que desafios momentâneos”, relata Sidnei Martini, professor sênior do PCS-Poli-USP. “Na época do Patinho Feio, aprendi com ele a ver as coisas de forma mais leve”.
O grupo se formou aos poucos, a partir do então Laboratório de Sistemas Digitais. Ao final contava com cerca de 30 integrantes, entre professores, estudantes de pós-graduação e estagiários. “Como fizemos tudo do zero, a equipe precisava ser versátil”, diz Edith Ranzini, hoje professora sênior da Poli-USP.
A criatividade dava o tom e não apenas na hora de desenhar as peças do computador. “A primeira instalação da oficina de circuito impresso foi em um banheiro feminino desativado e posteriormente reformado para abrigar a nova função”, lembra Edith.
Não havia muitas mulheres na Poli naquele momento. A própria Edith foi uma das 12 entre os 360 aprovados no vestibular da Escola Politécnica da USP em 1965. Já na equipe do Patinho Feio a proporção de mulheres participantes era bem expressiva para a época. Havia 17 homens e quatro mulheres: Edit Grassiani, Edith Ranzini, Maria Alice Grigas Varella e Selma Shin Shimizu Melnikoff – todas se tornaram professoras da Escola Politécnica.
Selma chegou ao projeto no início de 1972, já na fase de montagem do computador. “De pronto fui acolhida pelo grupo. Não havia diferença entre novatos e veteranos dentro da equipe. O Patinho Feio era uma grande família”, define Selma, que continua dando aulas na Poli.
As relações entre os integrantes da equipe não se resumiam ao ambiente acadêmico. “A gente organizava reuniões externas, como churrascos e jantares”, conta Antônio Massola. “Uma das coisas que eu mais gostava no Patinho Feio era a liberdade que a gente tinha para trocar ideias e falar dos nossos anseios. Isso foi muito importante para nossa convivência”.
Segundo Martini, na época do projeto os pesquisadores do grupo começaram a casar e ter filhos. “Uns passaram a ser padrinhos dos filhos dos outros. Isso aconteceu dada a intensidade do nosso convívio”, finaliza.
Em evento realizado na Poli-USP no dia 22 de agosto de 2022, estavam presentes 14 dos construtores do Patinho. Eles foram reunidos em razão do 50º aniversário do Patinho, para uma homenagem prestada pela direção da Poli e da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE). “Estávamos todos muito felizes; o Patinho Feio foi muito importante para nossas trajetórias pessoais e profissionais”, resumiu a professora Selma Melnikoff.